terça-feira, 1 de setembro de 2015

Crônica do futuro

Hoje a mesa do pé sujo da esquina estava lotada de mulheres, cada uma com seu estilo, com sua beleza. E o dono do bar? Bom, ele ficou doente e duvidou que sua esposa daria conta. Mal sabe o velho que com ela à frente do negócio o boteco progrediu o que há muito não progredia.

- Dona Jô, desce mais uma! Mas, oh, já sabe, né? Aquela geladinha no capricho! - Dani berrou no meio da rua.

Não precisou muito para ouvir a gargalhada de Luana.

- Gente, essa Dani acha que já é sócia do bar. Mas não era isso que eu queria falar, não. Quero saber é de comer. - Sugeriu Luana.

Em meio a risos, Laura respondeu:
- Comer quem?

Dani nem pensou muito pra responder.
- Eu? Sabe que eu sou doida pra te pegar, né, Luaninha?

Dona Jô chegou com mais uma cerveja pra compôr a mesa, que já empilhava 5 garrafas vazias.

Paula chegou com uma cadeira e se sentou ao lado de Laura.
- Já chego ouvindo Dani tentando comer a Luana. Vocês não mudam mesmo.

Luana enchia os copos, com um sorriso um tanto quanto sem graça.
- Muitos homens, mas pra Dani, muitas mulheres, muito dinheiro, sucesso, sexo, orgasmos e muitas coisas boas porque a gente merece! - Disse Laura. 

- Tim-tim! Todas brindaram.

Paula cutucou Dani.
- Sabe do jogo do Mengão? 

Dani puxou o celular.
- Aqui no grupo estão dizendo que tá 0x0 ainda. Vou dar uma TV nova pra Dona Jô, aí a gente assiste aos jogos aqui. A menos que a Luaninha queira ver só comigo em casa. - Ela riu e tomou um gole de cerveja.

Luana rebateu.
- Dani, um dia vou querer pegar mulher. Tenho certeza. Quando esse dia chegar, juro que te aviso. Mas por enquanto eu só quero saber de comer o meu personal. Ele tem uma bunda e uma cara de que fode tão gostoso!

Dani fez cara de triste e Paula comentou:
-  Por falar em comer e foder bem, o novinho que peguei na formatura da namorada do meu irmão me surpreendeu. Nem contei pra vocês. Comi de novo, acreditam?

Laura fez cara de surpresa.
- Mentira, amiga? O único novinho que comi não mandou bem. Mas bem que tô querendo essa experiência de novo. 

Paula respondeu.
- No próximo jogo do Maraca que tiver você vai comigo. Lá é o fervo. Junta um monte de garoto gostosinho de 17, 18 anos que me deixa até sem ar. 

Laura bebeu um gole de sua cerveja e fez um hi-five com a amiga.

Um moreno alto, de regata, musculoso e suado corria pela rua da frente. Laura não aguentou.
- Lá em casa tem esteira! E meu chuveiro tem uma ducha maravilhosa! Quer não? Ô, moreno...

Luana quase precisou voltar no seu personal. O torcicolo para acompanhar a corrida do moreno foi grande.
- Dani, eu sei que você não gosta de homem, mas vai concordar comigo. Olha aquele careca ali. - Luana apontou. - Tá com uma bermuda tão feia. E esses pêlos que nunca acabam? Ah, não. Tem que ter vaidade.

Dani respondeu:
- Luaninha, meu amor, isso aí é pra vocês não ficarem no 0x0 na balada, que nem tá o meu Flamengo.  Não gosto da fruta, mas ele é uó mesmo. Aquele teu personal também, juro que sou melhor na cama que ele...

Dona Jô ouvia tudo de dentro do bar, querendo poder puxar uma cadeira e sentar na mesa pra compartilhar suas experiências e dizer o quanto seu marido machista e fodão é tão ruim de cama e tem pinto pequeno. Mas ela ficava ali de longe observando a conversa daquelas amigas, tão incrivelmente admiráveis, enquanto dividia seu olhar com cada homem gostoso que passava pela rua. Afinal, olhar não tira pedaço. 

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

O que você faria?

Se você me perguntar se eu sei voar, mesmo não sabendo, direi: - claro, quer vir comigo?
Se você me perguntar se até as coisas mais sem sentido da vida fazem sentido pra mim, direi: - com você por perto nada fica sem explicação.
Se me pedir pra correr uma maratona, eu direi: - a partir de hoje serão 2 horas na academia, chegarei em primeiro lugar por você.
Se você me pedir pra falar mandarim, mesmo sendo milimetricamente difícil, direi: - irei me inscrever hoje mesmo no curso!
Se você me pedir um beijo, darei dois.
Se me largar, irei atrás.
Se me perder, darei um jeito para que me encontre.
Se me pedir pra olhar pro céu, olharei já pedindo pra lua ser nosso presente.
Mas e eu? E se eu te pedisse tudo isso, o que você faria? 
E se eu pedisse apenas pra que as mínimas e mais bonitas coisas fossem as mais importantes, se eu pedisse pra me dar, aliás, pra se dar sem medo, pra me retribuir nos mínimos detalhes, pra me conquistar a todo e qualquer momento... E se eu não pedisse nada e apenas esperasse, o que você faria?

domingo, 28 de junho de 2015

Fica

Fica. Com todos seus sonhos e pesadelos.
Fica. Com seu cheiro e o seu corte de cabelo.
Fica. Fica aqui, com calma ou desespero.
Não vai embora. Fica.
Fica com a sua aura encantada.
Fica com a sua pele clara ou bronzeada.
Não vai embora.
Fica com brigas ou com as melhores noites de sexo.
Fica com seu amor, seu ódio, suas confusões.
Não vai embora.
Fica. Fica aqui com as adversidades da vida. 
Fica com o seu melhor sorriso e o seu melhor abraço.
Fica. Fica com a roupa amassada e o café requentado.
Nos dias de sol e nos gelados.
Não vai embora.
Não vai agora.
Vê se demora.
Fica.

terça-feira, 9 de junho de 2015

Castelo de areia

Desmoronou
Um castelo de areia na praia do Arpoador
Se desfez
Pelos pés das mãos
De quem próprio o fez

Caiu em segundos
O mundo de quem sequer
Havia mundo

E a areia
Assim como a água
Escorreu por entre os dedos
Vagarosamente

O desespero, a dor, o constrangimento
Se misturavam num mar de tormento
Que as ondas insistiam em sempre trazer de volta

E naquele mar impuro
Não cristalino
Ele decidiu se afogar
Até outro castelo
Desmoronar

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Enquanto seus olhos forem meus - Final

Giulia jantou e entre um papo e outro com sua mãe, pegava o celular para ver se havia chegado alguma mensagem de Alice. E foi assim durante toda aquela noite, o dia seguinte e o outro. Alice não atendia ligações, seu telefone estava desligado. Giulia chegou a se preocupar e pensou em ligar para o pai de Alice, mas preferiu esperar até o fim daquele dia.

Sábado chegou e era dia de mais um show Giulia no bar de Sr. Pereira. Ao acordar, às 10h, escutou a voz de Paulo vindo da sala. Abriu a porta do seu quarto para escutar melhor o que ele falava com a sua mãe.

- Pois é, Chiara, foi mais proveitoso do que imaginávamos. Eles adoraram a proposta. Ah, e o vinho também! – Paulo soltou uma gargalhada alta e engraçada, sua característica.

Giulia, então, se deu conta de que Alice já tinha voltado de viagem e foi correndo para a sala.

- Bom dia, minha filha!

- Giulia! Cada dia mais bonita! – Elogiou Paulo.

Giulia deu um beijo na mãe e agradeceu o elogio.

- E Alice, não veio? - Questionou Giulia prendendo seu cabelo em forma de coque.

- Veio, sim, mas está cansada. Voltou dirigindo, está em casa dormindo. Apareça por lá depois! – Respondeu Paulo.

Giulia sorriu, agradeceu o convite, pediu licença e foi tomar café, pensando em passar mais tarde na casa de Alice.

E assim fez. Às 20h pegou o seu carro e foi até a casa de Alice, mas ninguém a atendeu. Tentou mais uma vez ligar, mas o telefone continuava desligado. Desistiu e foi direto para o bar. Naquele dia o bar estava bem cheio, mas Giulia só desejava que Alice aparecesse até o momento em que começasse o seu show.

Ela, então, afinou seu instrumento, fez um breve aquecimento vocal e começou o seu voz e violão. A sua voz doce, mas forte e marcante ao mesmo tempo, deixavam todos boquiabertos e vidrados naquela menina tão jovem e talentosa em cima de um pequeníssimo palco de um boteco.

Alice acordou às 23h e percebeu que havia dormido o dia inteiro. Ligou o seu celular e viu milhões de chamadas perdidas de Giulia e algumas mensagens. Leu tudo com atenção, inclusive a última que Giulia havia mandado, naquele mesmo dia, horas mais cedo:

“Estive na porta da sua casa, toquei a campainha, bati, gritei, até pedra na sua janela eu joguei, mas ou você realmente apagou ou não quer me receber. Se ainda vir essa mensagem hoje, por favor, apareça no bar. Começo às 22h e termino às 00h.”

Alice pensou no que ia fazer, levantou, mas sua preguiça era tão grande que se jogou novamente na cama.

“São 23h, Alice, ou você vai logo ou você não vai, não é tão difícil assim...” – Alice pensava.

Pegou seu celular e digitou uma mensagem para Giulia.

“Acabei de acordar e parece que um trator passou em cima de mim. Meu pai está na casa do meu tio. Vem pra cá quando acabar aí. Não posso prometer nada além de pizza. Te esperando...”

Giulia terminou o show, feliz com a receptividade do público. Enquanto guardava seu equipamento, lembrou de pegar seu celular e viu a mensagem de Alice. Despediu-se de Sr. Pereira, que nesta noite, lhe pagou o dobro do combinado de tão feliz e satisfeito que estava com o sucesso que Giulia estava fazendo em seu bar.

Eram 00:47 quando Giulia estacionou em frente à casa de Alice. Tocou a campainha e Alice abriu a porta.

- Oi... – Disse Giulia em um tom um tanto quanto seco.

- Oi... – Respondeu Alice.

- Por que você sumiu, não me disse que ia viajar com seu pai e ainda deixou o celular desligado, me matando de preocupação? – Questionou.

- Eu precisava ficar sozinha, Giulia. Sei que foi errado, desculpa, mas me fez muito bem.

Alice colocou seu violão em cima do sofá da sala e sentou ao lado.

- Espero que a gente possa resolver tudo que temos que resolver hoje. – Respondeu Giulia, esperançosa.

Alice agachou na frente de Giulia, colocou a mão nas pernas da amiga e respondeu.

- Nós vamos. Mas, primeiro, vamos comer? Sabe que não sou lá essas coisas na cozinha, mas me arrisquei a fazer uma pizza pra gente. – Sorriu.

Giulia riu.

- Tudo bem. Estou mesmo com fome.

Alice já havia deixado a mesa da sala preparada. Retirou a pizza do forno, serviu e as duas comeram em um silêncio um tanto quanto constrangedor.

- Você vai querer mais? - Perguntou Alice.

Giulia agradeceu, disse que estava deliciosa, mas que não queria mais.

Alice deixou as coisas na cozinha e chamou Alice para o quarto.

- Vamos lá pra cima, está mais quentinho que aqui. – Alice convidou.

Giulia pegou seu violão e as duas subiram para o quarto. Deitaram uma do lado da outra na cama.

- Giulia, olha, eu nem sei como te dizer isso, mas... – Giulia a interrompeu.

- Não, não precisa falar nada.

Alice fez cara de quem não estava entendendo nada.

- Mas você mesma disse que quer resolver as coisas e eu concordo, vamos conversar e... – Alice a interrompeu mais uma vez.

- Antes de qualquer coisa, eu preciso te mostrar isso aqui. – Giulia respondeu, se levantando da cama.

Ela pegou o violão, o tirou da capa e dedilhou uma música.



"Enquanto seus olhos forem meus
Eu prometo não olhar pra mais ninguém, meu bem
Oh, meu bem!
O que é que tem nesse mundo
Tão grande e redondo
De tantas voltas e lugares
Que me prende aqui
Perto de você

Eu sei
Um dia todos eles vão saber
Que a minha vida é você
Mas enquanto esse dia não chegar
Eu só quero ver o sol raiar
Nos seus braços

Eu me afoguei em dezenas
Milhares de vinhos de todos os tipos
Buscando o seu sabor
O seu gosto
O seu rosto
E agora que eu já sei
Onde eu quero ficar
Onde é o meu lugar
Eu prometo

Enquanto seus olhos forem meus
Eu prometo não olhar pra mais ninguém, meu bem
Oh, meu bem!
O que é que tem nesse mundo
Tão grande e redondo
De tantas voltas e lugares
Que me prende aqui
Perto de você
Perto de você
Perto de você
Dentro de você."


Alice a ouvia cantar totalmente encantada e sem piscar. Prestava atenção nas expressões de Giulia, na sua emoção, em como conduzia as notas no violão e em cada palavra que construía aquela música, que a deixou completamente apaixonada.

- Nossa, Giulia... que lindo isso! De quem é a música?

- Sua! – Revidou Giulia.

Alice franziu a testa.

- Minha?

Alice colocou o violão no chão cuidadosamente e chegou mais perto de Alice.

- Sim. Sua. Cada palavra, cada estrofe, cada nota, cada tom... tudo seu, tudo pra você.

O coração de Alice disparou.

- Deixa eu ver se é isso mesmo, se eu entendi. Você está me dizendo que compôs uma música pra mim? Não, uma música não, essa música! Você EStá falando sério? – Alice perguntou incrédula.

- Estou. Tudo que está nessa música é o que eu venho tentando te falar há algum tempo. Na verdade, desde que viajei e tivemos aquela briga horrível. Aquele tempo todo que ficamos sem nos falar me mostrou que o que eu sinto por você é diferente. – Giulia respondeu com lágrima nos olhos.

Em um gesto impulsivo, Alice segurou o rosto de Giulia e deu um beijo em sua boca. Não era preciso estar no mesmo corpo que elas para sentir o coração das duas pulsando a mil.

Alice se deu conta do que fez e parou.

- Desculpa. Eu não sei o que eu te digo, o que eu te falo, o que eu faço.

- Talvez eu não tenha falado e demonstrado isso tudo que estou sentindo da melhor forma, no melhor momento, mas eu não aguentava mais esperar. – Giulia desabafou.

- E a Beatriz? – Alice perguntou.

- A Beatriz foi um caso. Foi um momento que eu quis ter pra entender se o que eu sentia era real, se o que eu queria era realmente verdadeiro.

- E...? – Questionou Alice.

- E aí que eu descobri que é. Que tudo que eu realmente sinto é de verdade. Mas que é única e exclusivamente por você. Fiz também pra tentar te apagar de mim por não saber o que você pensava e sentia, por ter medo de estragar tudo e por querer me livrar disso, mas não consegui. É muito mais forte que eu, Alice.

- Por que se livrar? Você tinha que ter falado comigo... eu fiquei louca com a sua aproximação com a Beatriz, primeiro por achar que estava me trocando, mas depois eu senti que isso ia além de amizade, eu percebi que podia estar perdendo você de um outro jeito e enlouqueci mesmo.

- Então isso quer dizer que você quer a mesma coisa que eu? – Giulia perguntou.

- Não. Eu quero você. Até onde eu sei você não quer você. Você me quer. – Alice riu.

Giulia também abriu um sorriso.

- Então fica comigo? – Pediu Giulia.

- Até o fim da minha vida. – Respondeu Alice.


Um beijo intenso pôs fim na conversa e deu início a uma linda história de amor. E naquela noite elas se amaram, despidas de preconceitos, de incertezas, de roupas.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Enquanto seus olhos forem meus - Parte VII

Ao chegar, deixou a bicicleta no chão da entrada e nem sequer bateu à porta. Saiu entrando, pois sabia que Giulia tinha o costume de não trancar. Subiu as escadas em direção ao quarto e entrou cuspindo as palavras:

- Você não tem o direito de dizer isso e ir embora sem me dar explicação!

Quando se deu conta, viu que Giulia não estava no quarto. Olhou ao redor e não ouviu um barulho sequer.

- Giulia? – Gritou Alice.

- Giulia, eu sei que você está aí, cadê você? – Tentou mais uma vez.

Quando decidiu descer as escadas e procurá-la pela casa, Giulia saiu do banheiro enrolada na toalha.

- Estou aqui.

Alice a olhou de cima a baixo. Giulia estava enrolada em uma toalha de banho azul, com um coque prendendo seu cabelo castanho claro. O olhar de Giulia penetrava os olhos de Alice.

- Vo... você não podia. – Alice gaguejou, um pouco perturbada, sem conseguir falar direito.

- O que eu não podia? – Disse Giulia, enquanto abria o seu closet, em busca de uma roupa para vestir.

Giulia engoliu a seco, respirou e tentou falar outra vez.

- Você não tem direito de fazer o que está fazendo comigo. Muito menos de ter dito aquilo pra mim sem nem se explicar.

Alice escolheu uma calça preta, que combinava perfeitamente com uma blusa branca de manga comprida e a jaqueta de couro, também preta, que havia trazido do Canadá. Deixou com que sua toalha caísse no chão e ficou nua na frente de Giulia, que se manteve estática esperando uma resposta.

- Não posso esconder mais a verdade de você, Alice. Não queria que tivesse falado da forma com que falei, mas você não me deu outra escolha e ainda me mandou embora. Por sinal, está fazendo o que aqui? – Giulia revidou, completamente despida, enquanto procurava uma calcinha e um sutiã.

Alice se sentou na cama e ficou em silêncio.

Giulia, enfim, começou a se vestir e Alice não conseguia tirar os olhos dela.

- Onde você vai? – Perguntou Alice.

- Na casa da Beatriz. – Giulia respondeu rapidamente.

O coração de Alice, que já estava disparado, bateu mais forte e seu semblante mudou. Sua respiração ficou mais forte e uma espécie de raiva começou a tomar conta do seu corpo.

- Entendi. Você vai atrás de mim tentar resolver as coisas, aí eu estou aqui agora pra tentar resolver e você vai pra casa dessa garota. Realmente... o que eu estou fazendo aqui? – Questionou.

Sem titubear, Giulia respondeu, enquanto vestia sua blusa.

- Isso mesmo, Alice. Eu fui atrás de você ontem, hoje... e o que você fez? Nada. Aliás, fez sim, fez com que eu me sentisse uma completa idiota por me importar contigo e com o que a gente tem. Me mandou embora, foi estúpida. Eu não mereço isso.

- Você tem que entender que eu... – Giulia interrompeu Alice.

- Eu não tenho que entender nada, Alice. Eu não quero mais entender nada, falar nada, pensar nada. 

Giulia vestiu a calça preta, mas desistiu ao perceber que estava muito larga. Voltou-se para o seu closet para escolher outra.

Alice se levantou da cama e foi até Giulia. 

- Tá, vai... desculpa. Eu só quero que você entenda que... sei lá, eu também não entendo. Não sei o que está acontecendo.

Giulia parou de mexer em suas roupas e se virou pra Alice.

- Acho que não é a melhor hora pra falarmos disso agora.

- Por que? Tá atrasadinha pra ver a namoradinha? – Disse Alice em tom de deboche.

- Não. Ela não é minha namoradinha. E estou indo encontrá-la porque ela vai ter que voltar pra cidade dela hoje, muito antes dos seus planos. O avô dela morreu. 

Alice levou uma de suas mãos ao rosto, respirou fundo e pegou a mão de Giulia.

- Desculpa. Outra vez. Estamos sendo tão infantis e ridículas. Desculpa. – Alice beijou a mão de Giulia – Desculpa, mesmo.

Giulia assentiu com a cabeça e, com carinho, acariciou o rosto de Alice.

- Tudo bem. Mas, entende que agora não dá. Eu vou levá-la de volta. É o jeito que tenho de ajudar. – Respondeu Giulia.

Alice se corroeu de ciúmes por dentro, mas não demonstrou. 

- Tá. Você quer que eu vá com você? – Sugeriu Alice.

- Não. Obrigada. Vou hoje e volto amanhã. A gente conversa quando eu voltar. Pode ser?

Giulia, enfim, achou a calça que queria e começou a vesti-la. 

- Tudo bem... – Alice concordou, um pouco inconformada.

Giulia levou Beatriz e retornou para sua cidade no dia seguinte. Tentou a todo custo ligar para Alice, mas seu celular só dava na caixa postal. Passou na adega onde sua mãe estava, firme e forte como sempre.

- Oi, minha filha. Como foi lá com a sua amiga? Ela deve estar arrasada, não é mesmo? A viagem de volta foi tranquila, você está bem? 

Giulia deu um sorriso e abraçou a mãe.

- Foi sim, mãe. Tudo certo na ida e na volta, estou sã e salva. E a Beatriz, bom, ela não está bem, né? Mas essas coisas são assim mesmo. – Respondeu dando um beijo na testa da mãe.

- Ai que tristeza. – Sua mãe disse com pena nos olhos.

- Mãe, sabe da Alice? O Sr. Paulo passou por aqui hoje?

- Eles passaram aqui de manhã. O Paulo foi pra Florianópolis, me contou que apareceram dois investidores de surpresa e que o negócio estava quase certo. Comprou até dois vinhos pra levar de presente.

Giulia ficou pensando.

- Então a Alice foi com ele? – Perguntou.

- Foi. Pelo menos a vi no carro.

- Ele falou quando volta? – Giulia perguntou ansiosa.

- Não... vamos comer alguma coisa? Quero fechar aqui. Estou exausta hoje, filha.

Giulia ajudou a mãe a fechar a adega e foram num restaurante japonês a pedido da própria mãe que, apesar de amar sua origem italiana, naquele dia queria outra culinária.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Enquanto seus olhos forem meus - Parte VI



Giulia voltou pra casa pensando em tudo que tinha acontecido. No seu envolvimento com Beatriz, no desentendimento com Alice e foi assim durante o resto da noite inteira. Enquanto Beatriz a enchia de mensagens no celular, Giulia apenas esperava por uma única mensagem de Alice. Por inúmeras vezes tentou ligar, mas manteve firme sua opção de deixar que a amiga a procurasse quando estivesse mais calma e disposta a conversar.

No dia seguinte Alice pegou sua bicicleta e foi dar uma volta em um parque muito bonito da cidade. Fazia frio, tão frio que seu casaco de lã não conseguia sustentar. Mas continuou a pedalar.

Aquele dia especificamente estava maravilhoso. Um sol tímido querendo abrir no início da tarde entre nuvens já mansas, sem qualquer possibilidade de chuva, mas um frio castigador de 6 graus em meio a ventos muito gelados. Alice apoiou sua bicicleta em uma árvore e ela sentou com as costas apoiadas do outro lado do tronco, para um pequeno lago, seu local preferido do parque. Colocou o capuz na cabeça, as mãos por dentro do bolso do casaco e fechou os olhos. Não conseguia pensar em outra coisa que não fosse os últimos acontecimentos com Giulia. Alice não conseguia entender porque se sentia tão irritada com a aproximação da amiga com Beatriz e ficou, por alguns instantes, tentando entender seus ciúmes, algo do qual Giulia ainda não havia causado.

O celular de Alice apitou. Era uma mensagem de Giulia:

“O que está fazendo nesse frio que não está tomando um vinho comigo?”

Alice pensou muito se responderia ou não. Mas respondeu:

“Estou colocando os pensamentos em ordem...”

Giulia retornou:

“No frio, no meio do parque, com tantos lugares melhores, inclusive a minha casa?”

Alice se assustou, olhou ao redor para tentar procurar Giulia, mas não a encontrou.

“Como você sabe que estou na rua? Você está aqui?” – respondeu ainda procurando a amiga ao redor.

“Estive na sua casa e o seu pai me disse que você tinha saído de bicicleta... lembrei que viemos muito aqui de bike.”

“Espera... viemos aqui... então você está aqui? Giulia, para de brincadeira”.

Não deu dois minutos e Giulia apareceu na frente de Alice.

- Estou aqui, sim.

Alice a olhou, sem reação e nada respondeu.

Giulia se sentou ao lado Alice.

- Sabe... Eu queria muito entender porque você está agindo assim. Não faz o menor sentido. – Disse Giulia.

Alice continuou calada.

- Será que você pode me responder, ou será que vou ter que fazer essas perguntas pelo telefone? – Giulia respondeu, já sem paciência.

- Cara, não sei. Não sei de nada e não adianta ficar querendo falar disso. Nem eu quero falar, eu acho. 

- Alice, por favor, para com isso. Não somos mais crianças e pelo amor de Deus, agindo assim parece que vo... – Alice interrompeu.

- Você fala como se quem tivesse feito merda fui eu, né? Você sempre se faz de vítima, engraçado como certas coisas não mudam.

- Não estou me fazendo de vítima, Alice. Não sei mesmo o que tá acontecendo contigo. Como você disse, certas coisas não mudam, mas outras mudam, sim. Estou vendo que você mudou bastante. 

- Me deixa sozinha, Giulia. Em momento algum pedi pra vir atrás de mim. Você mesma disse pra eu te procurar quando estivesse disposta e não te procurei. Entende que ainda não é a hora? – Alice disse impaciente.

- Tá bom. Você tem razão. Sou uma idiota de ter vindo atrás de você. Mas tudo bem. Só vim tentar resolver as coisas e dizer que eu te amo. Te amo muito e estou sentindo sua falta. Não gosto desse clima, já estive fora por muito tempo, agora que estou do seu lado é aqui que quero ficar.

- Engraçado que você não sente minha falta quando está com a Beatriz. Vai embora. Não quero ouvir mais nada.

Alice se revoltou, levantou, saiu andando e, com muita raiva, revidou:

- Talvez porque a Beatriz me dá o que eu quero de você há muito tempo e você não se toca. Você é uma babaca, Alice. 

Giulia desapareceu no parque, em meio a lágrimas contidas. Alice não segurou as suas e levou as mãos ao rosto. Minutos depois, repensando no papo, Alice se lembrou do que Giulia falou: “Talvez porque a Beatriz me dá o que eu quero de você há muito tempo e você não se toca”.

Alice pegou sua bicicleta e pedalou com muita pressa para a casa de Giulia.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Enquanto seus olhos forem meus - Parte V

Giulia contou como foi, mas não contou que tinha saído com Beatriz.

Alice não estava muito bem e Giulia logo percebeu. Quando a indagou sobre o que estava acontecendo, Alice disse que ficaria mais dois finais de semana fora e que provavelmente mais dias durante a semana faria viagens curtas com o pai, o que atrapalharia das duas ficarem juntas.

Giulia a abraçou e disse que estava tudo bem.

Nesse meio tempo, Beatriz trocava mensagens com Giulia, ia ao seus shows e os finais eram sempre iguais: saíam juntas para algum lugar. Giulia gostava de como as coisas estavam acontecendo, mas tinha algo ali que não se encaixava. 

Alice na última de suas viagens repentinas conseguiu chegar antes do previsto e foi direto ao bar onde Giulia tocava. Quando chegou, uma surpresa: Giulia já tinha ido embora. Quando perguntou sobre o show para Sr. Pereira, ele disse que havia terminado há cerca de meia hora e que Giulia tinha saído com uma amiga.

Alice ficou paralisada tentando pensar com quem que Giulia podia estar e um filme passou em sua cabeça, do dia em que aquela menina de outra cidade estava no bar. Lembrou do rosto dela, da expressão, do pedido, do olhar de Giulia pra ela e da conversa ao pé do ouvido que tinha presenciado.

Saiu do bar pra tentar achar Giulia. Estava com o carro de seu pai e rodou pela cidade. Ligou no celular da amiga, mas só dava caixa postal. Quando estava prestes a desistir, avistou o que seria parte do carro de Giulia estacionado um pouco distante da estrada, no começo de uma trilha. Estranhou muito aquilo. Giulia jamais deixaria seu carro ali, mesmo que fosse de dia. Parou seu carro do outro lado da rua e desceu, indo em direção àquela estranha cena, que parecia ter saído de um filme de suspense. Conseguia até escutar as batidas de seu coração de tão altas que eram. "Giulia precisa de ajuda", pensava durante o caminho, que parecia demasiadamente longo, até o pequeno automóvel parado fora da estrada.

Foi contornando o carro com cuidado, para não ser percebida. Quando conseguiu ver o que se passava lá dentro, um nó formou em sua garganta e lágrimas ameaçavam brotar em seus olhos. O choque fez com que levasse as mãos à boca. Na verdade, toda a reação do seu corpo não acompanhou o seu raciocínio, que só foi de querer entender o que estava acontecendo. Voltou correndo para seu carro, arrancando dali e indo direto pra casa, sem perceber que Giulia a havia visto. Só pensava que sua amiga estava beijando uma garota.

Chegou em casa e foi para o quarto, trancou a porta e se forçou a fechar os olhos. Como se isso fosse mudar o que tinha acabado de ver. Também não entendia como aquilo podia incomodar tanto. Por o que pareceram horas, ficou assim, de olhos fechados, sem conseguir dormir. Ouviu vozes no andar de baixo, logo em seguida o som de passos cada vez mais próximos. Curtas batidas na porta fez com que arregalasse os seus olhos. 

- Quem é? - Praticamente cuspiu as palavras.

- Amiga, sou eu. Abre? 
Giulia queria saber como explicar o que Alice viu. Como explicar que nesses últimos dias estava se encontrando com uma garota? Não sabia se Alice entenderia ou aceitaria a situação.

Depois de refletir, Alice começou a se levantar e abriu a porta. Quando o fez, viu que Giulia estava sem graça.

- Posso entrar? - Questionou Giulia.

Alice só confirmou com a cabeça e voltou para a cama. Giulia fechou a porta e sentou ao lado da amiga.

- Você está bem? - Perguntou Giulia.

- O que você estava fazendo? Sabe... O que eu vi. Você e aquela menina do bar. 

- O nome dela é Beatriz. E, eu não sei... Aconteceu. Só isso. Aconteceu. - Disse Giulia em meio a confusão de seus pensamentos.

- Aconteceu... Como assim aconteceu? Quando foi isso? Hoje?

- Não. Desde a minha estreia.

- Como? - Alice não podia acreditar no que ouvia. Giulia teve tempo de lhe dizer o que estava acontecendo e preferiu ficar em silêncio. – Por que você...

- Eu quis, mas eu sei lá. Não tive coragem, Alice. Como chegar pra você e dizer: "Oi, amiga, estou ficando com uma mulher e, a propósito, você está bem?" - Eu nunca senti nada disso antes, você sabe.

- Era só chegar e dizer: "Oi, amiga, estou ficando com uma mulher." Somos amigas, até onde eu sei, ou pelo menos éramos, antes dessa garota aparecer.

Giulia ficou sem reação e o silêncio tomou conta do quarto. Alice a observava, ainda não acreditando muito no que estava acontecendo.

- Bom, eu vou embora. Quando estiver disposta a conversar, me procure. Ou não. – Disse Giulia extremamente seca, enquanto se levantava.

Alice ainda pensou em tentar impedi-la de ir embora, mas repensou e ficou estática, vendo Giulia abrir a porta do quarto e sumir ao fechá-la.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Enquanto seus olhos forem meus - Parte IV

- Giulia, vou pagar a conta e te espero lá fora. – Disse Alice já andando em direção ao caixa.


Giulia olhou sem entender e pediu pra que ela esperasse, mas de nada adiantou.

Quando saiu do bar, encontrou Alice encostada em seu carro, a sua espera, com uma lata de cerveja na mão.

Alice olhou pra Giulia.

- Nossa, amiga, você foi muito bem lá em cima. Parabéns. – Giulia falou em tom irônico.

- Obrigada, mas por que você saiu assim de... – Alice a interrompeu.

- Lembra daquela menina que foi falar com você? Quem era? Nunca tinha visto ela por aqui...

Giulia encostou no carro, ao lado da amiga.

- Ela é de uma cidade vizinha, parte da família se mudou pra cá esses dias e ela tá aqui com eles por enquanto.

- Vai morar aqui?

- Não sei, ela não me disse... Vim logo atrás de você. O que aconteceu pra ter saído daquele jeito?

- Nada com que se preocupar. Só estou cansada. Vamos? – Ela olha para Giulia e força um sorriso.

As duas voltam pra casa de Alice. Conversam mais um pouco, enquanto se arrumam pra dormir. Alice deita e dorme em pouco tempo. Giulia, que está na cama ao lado, se levanta e vai até sua bolsa. Pega o papel com o número de Beatriz e o grava em seu celular, sem perceber que seus lábios contorciam-se em um sorriso largo.

No dia seguinte, Giulia foi até o bar como o combinado, deixou tudo acertado com Sr. Pereira. Ela tocaria toda sexta e sábado. Assim que saiu de lá, ligou pra Alice, que ficou superfeliz com a notícia. Chegou em casa, contou a sua mãe, que também ficou radiante.

Naquela noite Giulia estava na varanda do seu quarto tocando, quando se lembrou de Beatriz. Pegou o celular e resolveu ligar pra ela. O papo foi curto. Giulia disse a ela que tocaria novamente no bar na semana seguinte e que se ela quisesse, era pra aparecer. Beatriz disse que iria nos dois dias, pois estava repleta de pedidos. Giulia desligou contendo nos lábios novamente aquele sorriso largo e voltou a tocar.

Ensaiou arduamente durante a semana, fez seu repertório e mostrou pra Alice, que adorou.

Na quinta, quando Giulia estava se preparando para ir pra casa de Alice, o telefone toca e sua mãe leva.

- Filha, Alice no telefone.

Giulia atende e recebe uma má notícia. Alicia viajaria sexta de manhã com o pai mais uma vez, e voltaria no sábado de noite ou no domingo de manhã, o que impossibilitaria ela de ir na estreia de Giulia. Giulia desligou chateada, mas sabia que a teria em todos os outros shows e logo ficou bem.

Giulia teve uma estreia brilhante. O público adorou o show e o Sr. Pereira era só sorrisos.

Beatriz acompanhou o show inteiro escondida para que Giulia não a visse. Ao término, esperou Giulia arrumar seu equipamento e foi até ela.

Chegando perto, bateu palmas e disse: 

- Não podia imaginar um show mais maravilhoso que esse.

Giulia se virou e a viu.

- Pensei que não viria...

Beatriz sorriu de lado.

- Você acha mesmo que eu perderia essa oportunidade?

Giulia fez cara de dúvida.

- E você vai fazer o que agora? – Beatriz questionou.

Giulia guardou o violão e desceu do palco.

- Vou tomar alguma coisa e depois não sei.

- Vamos juntas então? – Tentou Beatriz.

- Claro! - Giulia respondeu em tom exclamativo.

Giulia foi até onde estava seus amigos e sua mãe, que chorou a cada música que a filha tocou.

Se despediram e Giulia foi com Beatriz para o carro, rumo a outro bar.

- E sua amiga, onde está? – Disse Beatriz.

- A Alice teve que viajar...

- Que feio perder a estreia da amiga...

- É, mas não teve jeito, ela trabalha com o pai, então é assim mesmo, eu entendo.

Beatriz olhou para Giulia, que dirigia.

- Bom que podemos conversar mais tranquilamente.

As duas conversaram beberam algumas taças de vinho até às 5 horas da manhã e fecharam o bar.

Na saída, Beatriz contou que ficaria na cidade por mais um mês e que voltaria pra sua cidade no término de suas férias da faculdade.

Giulia gostou e disse que podiam sair juntas sempre, até mesmo com Alice, e que queria Beatriz em todos os seus shows.

Beatriz não hesitou e respondeu que iria aparecer em todos e com vários pedidos.

Giulia lembrou que quando se falaram por telefone, Beatriz disse o mesmo:

- Vários pedidos... Hoje você não fez nenhum, ficou brincando de se esconder...

Beatriz sorriu.

- Estava esperando o momento certo pra fazer meus pedidos. – Disse Beatriz em tom misterioso.

- Bia, o show já acabou, agora só semana que vem pra ter o momento certo de novo, a menos que você queira que eu toque agora.

Beatriz riu e Giulia ficou sem entender.

- Um dos meus pedidos de hoje já foi atendido. O convite pra sair comigo. Falta mais um.

- Então faça o que está sobrando. – Giulia rebateu rapidamente;

Beatriz colocou uma das mãos no rosto de Giulia e foi se aproximando devagar.

- Você já sabe o que eu quero... Sabe desde o momento em que dei meu telefone, desde que me ligou.

Giulia ficou tensa, mas encarou bem a situação.

- Te liguei porque queria te ver de novo, só isso e... – Beatriz a interrompeu tocando seus lábios no de Giulia, que, a princípio, achou estranho beijar uma garota. Mais aquele frio na barriga a cada movimento da língua era indescritivelmente bom.

As duas se beijaram incansavelmente no carro até o dia clarear.

Giulia deixou Beatriz próxima de casa e voltou pensando no que tinha acontecido. Ela ficou mexida, Bia era atraente e só agora ela via isso.

No domingo, Alice chegou de viagem cedo e foi à casa de Giulia saber como tinha sido o show e pedir desculpas por sua ausência.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Enquanto meus olhos forem seus - Parte III

No dia seguinte Giulia andou pela cidade em busca de trabalho. Voltou recém-formada em música e com alguns outros cursos que fez enquanto vivia com sua tia na América do Norte. Passou em alguns bares deixando seu contato e material, também deixou currículo em algumas escolas e cursos próximos.

Na volta pra casa, passou na adega da mãe e lhe deu um abraço apertado.

- Conseguiu alguma coisa, filha?

- Ah, tenho que esperar agora. Vamos ver se alguém me chama pra entrevista em algum colégio. Dois donos de uns bares aqui perto gostaram muito de mim. Ficaram com meu CD. Vão ouvir e entrar em contato. Um deles acho que já está certo.

- É mesmo, filha?
- Aham. Ele disse que ele sente falta de uma voz feminina no bar dele. Vamos ver...

Giulia deu um beijo na mãe foi pra casa.

Sentou na sua cama e pegou o violão. Começou a compor.

Seu celular apitou. Era uma mensagem de Alice.

“Me encontra aqui em casa às 19h. Meu pai viajou, estou sozinha. Se quiser, vem pra dormir. Beijos.”

Giulia colocou uma pequena muda de roupa numa bolsa, se aprontou e foi até a adega da mãe. Avisou a ela que iria dormir na casa de Alice, pegou o carro e foi ao encontro da amiga.

Alice a recebeu e se encaminhou para a sala.

- Meu pai com esse vai e vem pra Gramado não para mais em casa.

- Mas por que ele tem ido lá com tanta frequência?

- Ele tá começando uma sociedade nova com uma empresa de turismo de lá.

Giulia balançou a cabeça em gesto afirmativo e perguntou: - Planos pra hoje?

Alice balançou a cabeça que não.

- Então vamos num barzinho aqui perto. Estive lá pra tentar tocar. Gostei do lugar, acho que vai gostar também.

Foi o tempo de Alice se arrumar e as duas foram até o local.

Alice se encantou com o local. Era aconchegante, espaçoso, charmoso e logo pediu um drink junto com a amiga. As duas conversavam sobre o local e Alice disse a Giulia que seria o máximo vê-la tocando ali.

Minutos depois um senhor que aparentava ter por volta de 50 anos começou a tocar no bar. Voz e violão. MPB com sua própria roupagem. Agradou bastante Giulia, que o olhava tocar e cantar fixamente, curtindo cada momento.

Quando o músico fez o intervalo, o dono do bar foi conversar com ele e de longe avistou Giulia. Não demorou muito, caminhou na direção dela.

- Olha só quem está aqui. Ouvi seu CD hoje e só tenho elogios, menina. - Giulia sorriu sem graça e olhou pra Alice.

- Fico feliz em saber disso, sr. Pereira. Gostaria muito de poder cantar pra essa galera aqui.

- Então aproveita que meu músico está tomando uma água e vai lá dar uma palhinha. – Giulia levantou de imediato e Alice a acompanhou. Ficou em frente ao pequeníssimo palco para ver bem de perto a sua amiga.

Giulia começou a tocar e todos no bar pararam pra vê-la. O bar não tinha mais que dois anos, mas já era conhecido na cidade e um local que era frequentado de domingo a domingo. Nunca uma mulher havia feito show ou qualquer participação. Giulia estava dando um pontapé no que parecia ser um chute a gol. O público se rendeu. Alice parecia não acreditar no que estava vendo e ficou nervosa e feliz por ela e pela amiga.

Quando Giulia iniciava sua terceira canção, uma menina se aproximou do palco com um papel não mão. Alice a olhou e perguntou se ela queria fazer algum pedido pra amiga. A garota confirmou balançando a cabeça e disse que fazia questão de entregar o pedido nas mãos da cantora.

Alice ficou feliz pelo fato de ver que a amiga estava agradando as pessoas presentes e ficou radiante com o pedido.

Quando Giulia terminou de cantar, sob uma sequência de aplausos fortes, a menina entregou o papel e em seguida voltou pra onde estava.

Giulia leu o nome da música que a menina queria e se surpreendeu. Logo abaixo, seu telefone estava anotado e ao lado o seu nome, Beatriz.

- Gente, acabo de receber um pedido. Vou atender com o maior prazer.

Beatriz a olhava de uma distância mediana, bebendo sua cerveja.

Giulia começou a cantar tentando achar Beatriz. Demorou um pouco, mas logo a viu.

Encerrou sua participação com mais uma música, também a pedido de um rapaz que parecia estar bêbado.

Sr. Pereira ficou radiante com a reação do público e com a performance dela, e pediu que ela voltasse no dia seguinte para acertar o contrato.

Alice, que estava junto, esperou só o velho dar as costas para pular no pescoço da amiga.

- Você é meu orgulho! –Disse Alice empolgada.
Giulia deu uma gargalhada: - Você é a amiga coruja, mais boba e mais linda que eu tenho!


Quando Alice se desgarrou de Giulia, Beatriz se aproximou e falou algo ao ouvido de Giulia.

Alice não gostou. Se incomodou. Queria que aquele momento fosse somente delas duas. Seu ciúme exalava pelos olhos.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Enquanto meus olhos forem seus - Parte II


Enfim domingo!

Pedi pra mamãe preparar um bom almoço para receber a Alice. Logo ela chegou com o pai. A campainha tocou e desci correndo as escadas pra atender.

Quando abri a porta, Alice pulou em mim e, se não fosse a parede ao lado, teríamos um tombo digno de um momento pra ser não se recordar.

Mamãe logo veio recebê-los, cumprimentou o seu admirador, digo, Paulo. E Alice não saía de cima de mim.

- Sua louca, não faz isso comigo! – Disse Alice

- Isso o que?

- Ficar cinco anos fora, sendo que um ano deles brigada comigo.

Sorri.

- Agora não vou mais sair daqui.

Ela apertou meu nariz: - Acho bom mesmo. - Sorriu.

Saiu de cima de mim e enfim o Sr. Paulo pôde me cumprimentar. Sempre elegante e atencioso. Até que era um bom partido pra minha mãe.

Levei Alice pro meu quarto. Abri a porta e ela entrou primeiro. Logo viu um embrulho em cima da cama.

- Vai lá e pega. É seu presente. - Eu disse.

Ela me olhou e foi em direção à cama. Sentei na poltrona ao lado e a observei abrir o embrulho.

O primeiro era uma caixa personalizada dos Beatles, ela era fascinada por eles. Dentro da caixa havia um ursinho, o perfume que ela mais gostava, chocolate e a coletânea com a última temporada da série que ela era aficionada. 

Ela ria, olhava tudo com muita atenção, acariciava os presentes...

- Giulia, você existe?

- Parece que sim.

- Não estou acreditando que trouxe isso tudo pra mim. Amei, sério. Olha essa caixa, e esse ursinho lindo? Não, e o perfume? O chocolate, meu Deus, meu preferido! Quanto aos dvd's... Nossa, ia demorar muito pra ser lançado aqui e você adiantou pra mim. Não tenho o que dizer.

Eu sorri.

- Aliás, tenho sim.

Ela mais uma vez pulou em cima mim e me agradeceu repetidas vezes.

Almoçamos todos juntos. No fim da tarde eu e ela fomos numa praça perto de casa, da qual íamos sempre. Ainda não tinha mostrado o violão pra ela. Estava na capa. Quanto o peguei pra tocar, ela arregalou os olhos.

- Que coisa mais linda!

- É, eu também achei, não me contive, comprei no mesmo dia que vi. E tem um som que... – Alice me interrompeu.

- Não! Estou falando do autógrafo!

Contei a história do autógrafo pra ela e em seguida começamos nossa farra. Eu tocando e ela cantando. Meia hora depois chegou o Jhonny Bravo e a sua trupe. Quero dizer, o Beto.

O chamava assim porque era loiro, forte, topetudo e colocava banca de garanhão, mas mulher que é bom, nada.

- Oi, meninas... Giulia, que feio, nem me avisou que chegava hoje.

- Por que eu deveria? – Alice me cutucou discretamente.

- Porque sou seu amigo e porque estou louco pra te dar uns beijos desde que você viajou.

- Ah, é?

- É. Vamos resolver isso agora? – Ele foi se aproximando de mim.

Sorri pra ele, segurei seu rosto e fui chegando perto da boca dele...

- Não! Se toca, você é um babaca.

Seus amigos tentaram se segurar, mas começaram a gargalhar. Alice ficou sem jeito.

- Tudo bem, hoje você me pisa e amanhã me procura.

- Em que mundo você vive, Jhonny? Só sabe ser algo que não é e não pode ser.

- Garota, você é maluca, não é não? Achei que a viagem fosse melhorar você, mas só piorou. Continua a mesma ridícula de sempre.

- Para, já chega. Chega, chega! Beto, vai embora. Me deixa aqui com a Giulia... Vai. Some. Dá meia volta e caça seu rumo. Anda logo. Chega de gracinha por hoje.

Beto piscou pra Alice e olhou no fundo dos meus olhos.

- Vai ter volta, menininha da mamãe.

Antes que eu falasse algo, Alice tapou minha boca na velocidade da luz.

- Se você pensar em responder qualquer coisa pra ele eu te mato.

Nos olhamos e rimos.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Enquanto meus olhos forem seus - Parte I

Tudo está igual. O sorriso das crianças brincando na rua, a tranquilidade dos pais, o clima fresco e úmido, agradável e viciante do sul. Finalmente voltei pra casa!

Dá vontade de abrir a janela desse carro e pular por ela pra abraçar cada cantinho desse lugar. Cinco anos sendo nômade pela América do Norte parecem que foram todos os meus 21 de vida.

Vinha com um inglês lindo, com saudade da mamãe, com um violão preto autografado com uma caneta branca por Chris Martin, vocalista da banda Coldplay, uma das minhas favoritas. E ah, com uma mala cheia de presentes e outra com as minhas coisas.

Pedi ao taxista para buzinar quando chegamos na porta de casa. Minha mãe apareceu com brilho nos olhos e lágrimas prontas a cair, eu saí correndo para abraça-la. Ficamos agarradas por um longo tempo.

- Meu amor, deixa eu te olhar bem – ela colocou as mãos no meu rosto, me olhou por inteira e me beijou a testa algumas vezes – Está tão linda, tão mulher!

- Mãe, menos...
Ah, meu filhote! Estava sentindo tanto a sua falta, falta desses olhos verdes, desse olhar de criança... - Ela disse eufórica.

- Mãe...

- Meu bebê está tão grande!

-Mãe! Mãe! – A abracei e falei baixinho em seu ouvido – A vizinhança toda está olhando, calma.

Nos soltamos e começamos a rir juntas.

Ela me ajudou com as malas e aquele dia foi exclusivo para eu contar tudo que aconteceu enquanto eu estava fora.

Ela tinha preparado meu prato predileto: ravióli de carne ao molho vermelho e para brindar, um bom vinho, vindo direto da nossa adega. Típico de uma família de sangue italiano.

Após toda essa euforia, levei as coisas para o meu quarto, que estava intacto desde quando viajei.

Deitei na cama, fechei os olhos, suspirei e pensei: como é bom estar de volta.

Mamãe bateu na porta.

- Entra, mãe.

- Esqueci de te dizer... A Alice veio aqui cedo e deixou isso pra você.

Levantei rápido da cama e vi um envelope nas mãos dela. Peguei e comecei a abri-lo.

- Vou para adega, se precisar de alguma coisa me chama.

Assenti com a cabeça e agradeci.

Logo vi um pequeno papel surgindo de dentro do envelope, com letras escritas pela própria mão da Alice.

Sorri abobada e comecei a ler:

“Giulia,

Em primeiro lugar, quero deixar claro o tamanho da falta que fez aqui todo esse tempo. Era pra eu estar aí agora dizendo isso pessoalmente para você, mas tive que viajar hoje cedo com o meu pai. Vamos à Gramado, negócios. Voltamos no domingo. E vou logo avisando: faça tudo que tem para fazer hoje e amanhã, porque domingo seu dia é pra mim! Sinta-se muito beijada e abraçada.

Saudade sem fim.


Alice.”



Alice era uma espécie de melhor amiga. Digo “espécie” porque sempre disse isso a ela para vê-la irritada. Me divertia. Estudamos juntas, fizemos aula de natação juntas e, de quebra, o pai dela era aficionado pelos vinhos da minha mãe. Bem, não era exatamente só pelos vinhos. 

Viajei brigada com ela. Só fomos nos reconciliar um ano depois e à distância. Foi a pior discussão que já tivemos. Discordávamos de muitas coisas, mas nos dávamos mais bem que mal. Senti saudade dessa guria! 

Naquela tarde ajeitei minhas coisas, separei os presentes e logo fui dormir. 

No dia seguinte visitei alguns parentes e aproveitei para ligar para minha tia, com quem vivia no Canadá. Ela morava sozinha. Meu tio morreu quando eu tinha dez anos, o vi duas vezes aqui, no Brasil. Eram muito apaixonados. Desde então minha tia nunca mais amou ninguém. Tinha seus lances passageiros, mas era só isso. Nos dávamos extremamente bem. Ela já chorava ao telefone de saudade. 

A cada coisa nova que via na cidade, queria que minha mãe me contasse detalhadamente. E quando o assunto parecia se esgotar, Alice vinha na minha cabeça. Precisava vê-la.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

O meu céu de paz

Você é o meu maremoto e meu céu de paz.
O meu ponto de equilíbrio e o meu penhasco.
Devo me jogar? E lá em baixo, nas águas mergulhar.
Nadar ou afundar? 
Você é o sonho bom que parece que logo vai acabar.
O início que eu procurava no fim de onde eu estava.
Você é a ventania doce como a água de um lago.
A maresia forte de uma ressaca.
E tudo mais que qualquer pessoa possa querer de bom na vida.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Decolagem

E se um dia me perguntarem se eu tenho medo de voar eu vou responder que não, porque ela, apenas ela é, em sua mais profunda existência, as asas que me fazem alçar voo.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Mar a mar

Sabe, pequena, com você a minha paz é tão serena.
Eu me sinto um misto de Poseidon com Afrodite. 
Me sinto sozinha com você, em pleno mar aberto, num céu azul estrelado. 
Só nós, a sós, com todo amor da vida. 
Como se não bastasse o brilho daquelas estrelas 
tão lindas que fazem o nosso cenário o mais perfeito, 
o seu sorriso ilumina meu rosto e me deixa sem jeito. 
Que coisa boa dá aqui, no peito.
Eu passaria todos os meus dias nesse deleito. 
Pra te ver crescer, pra nos ver brotar.
Pra te amar, de mar em mar, de luar em luar.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

A partida

Talvez eu deveria ter um caderno de anotações com todas as fodas que eu já tive.
Não, não são aquelas fodas que você revira, retorce, se contorce, geme, arrepia e goza. 
São as fodas que você chora, as fodas fortes que te dilaceram em pedaços que você mal sabia que podiam ser partidos.
São as fodas inesquecíveis. Que te machucam e deixam marcas que vão acompanhar a sua memória por muito tempo.

Talvez eu também deveria ser mais escrota. Ser mais egoísta. Ser mais egocêntrica. Ser como alguém que atrai olhares de repulsa e ódio. Só assim eu entenderia tanta foda bem-sucedida na minha vida.

Quem sabe, talvez, eu até, por um acaso, não poderia ir embora, sem dar tchau, sem dizer a hora, sem fazer mala ou deixar recado.

Talvez esteja na hora. Talvez seja agora.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Vermelho

Trêmulas, fadigadas e com pouca energia, aquelas pálpebras incapazes de esquecer a noite passada foram se abrindo. Lentamente, como uma sinfonia de poucas notas, preguiçosa e suave. 

O escuro do quarto parecia ter cor. Vermelho, laranja, ferrugem. Como aqueles aveludados e curtos fios de cabelo que reluziam um brilho mágico. A única coisa que eles viam era a insistente imagem de uma mulher incansavelmente encantadora, radiante e estupidamente quente. De sorriso aquecido, de corpo fogaréu. De olhos em brasa. 

E logo foi esquentando. Esquentando a alma, o acordar de um lindo sonho, o despertar de uma esperançosa manhã. Até o sol de amarelo passou a ser daquela cor indefinida como a daqueles cabelos. Até as pessoas passaram a parecer um tanto com aquela mulher. No jeito, no olhar, no cheiro doce.  Logo tudo foi clareando ao escurecer. 

Ao aparecer da lua cheia com traços daquele rosto angelical de quem nem sonha saber ter. E vermelha, lá estava ela, nua banhando todos na rua, lua, no céu crua, sem estrelas ou culpa. E lá estava ela, em algum lugar de uma viela, beco, estrada ou favela, soltando a fumaça de seu cigarro. Então as pálpebras foram se fechando, escurecendo ainda com a mágica daquela cor viciante, relutante em não sonhar mais uma vez com aquela áurea misteriosa. E esse movimento se repetiu por dias e dias a fio...