segunda-feira, 27 de abril de 2015

Enquanto meus olhos forem seus - Parte III

No dia seguinte Giulia andou pela cidade em busca de trabalho. Voltou recém-formada em música e com alguns outros cursos que fez enquanto vivia com sua tia na América do Norte. Passou em alguns bares deixando seu contato e material, também deixou currículo em algumas escolas e cursos próximos.

Na volta pra casa, passou na adega da mãe e lhe deu um abraço apertado.

- Conseguiu alguma coisa, filha?

- Ah, tenho que esperar agora. Vamos ver se alguém me chama pra entrevista em algum colégio. Dois donos de uns bares aqui perto gostaram muito de mim. Ficaram com meu CD. Vão ouvir e entrar em contato. Um deles acho que já está certo.

- É mesmo, filha?
- Aham. Ele disse que ele sente falta de uma voz feminina no bar dele. Vamos ver...

Giulia deu um beijo na mãe foi pra casa.

Sentou na sua cama e pegou o violão. Começou a compor.

Seu celular apitou. Era uma mensagem de Alice.

“Me encontra aqui em casa às 19h. Meu pai viajou, estou sozinha. Se quiser, vem pra dormir. Beijos.”

Giulia colocou uma pequena muda de roupa numa bolsa, se aprontou e foi até a adega da mãe. Avisou a ela que iria dormir na casa de Alice, pegou o carro e foi ao encontro da amiga.

Alice a recebeu e se encaminhou para a sala.

- Meu pai com esse vai e vem pra Gramado não para mais em casa.

- Mas por que ele tem ido lá com tanta frequência?

- Ele tá começando uma sociedade nova com uma empresa de turismo de lá.

Giulia balançou a cabeça em gesto afirmativo e perguntou: - Planos pra hoje?

Alice balançou a cabeça que não.

- Então vamos num barzinho aqui perto. Estive lá pra tentar tocar. Gostei do lugar, acho que vai gostar também.

Foi o tempo de Alice se arrumar e as duas foram até o local.

Alice se encantou com o local. Era aconchegante, espaçoso, charmoso e logo pediu um drink junto com a amiga. As duas conversavam sobre o local e Alice disse a Giulia que seria o máximo vê-la tocando ali.

Minutos depois um senhor que aparentava ter por volta de 50 anos começou a tocar no bar. Voz e violão. MPB com sua própria roupagem. Agradou bastante Giulia, que o olhava tocar e cantar fixamente, curtindo cada momento.

Quando o músico fez o intervalo, o dono do bar foi conversar com ele e de longe avistou Giulia. Não demorou muito, caminhou na direção dela.

- Olha só quem está aqui. Ouvi seu CD hoje e só tenho elogios, menina. - Giulia sorriu sem graça e olhou pra Alice.

- Fico feliz em saber disso, sr. Pereira. Gostaria muito de poder cantar pra essa galera aqui.

- Então aproveita que meu músico está tomando uma água e vai lá dar uma palhinha. – Giulia levantou de imediato e Alice a acompanhou. Ficou em frente ao pequeníssimo palco para ver bem de perto a sua amiga.

Giulia começou a tocar e todos no bar pararam pra vê-la. O bar não tinha mais que dois anos, mas já era conhecido na cidade e um local que era frequentado de domingo a domingo. Nunca uma mulher havia feito show ou qualquer participação. Giulia estava dando um pontapé no que parecia ser um chute a gol. O público se rendeu. Alice parecia não acreditar no que estava vendo e ficou nervosa e feliz por ela e pela amiga.

Quando Giulia iniciava sua terceira canção, uma menina se aproximou do palco com um papel não mão. Alice a olhou e perguntou se ela queria fazer algum pedido pra amiga. A garota confirmou balançando a cabeça e disse que fazia questão de entregar o pedido nas mãos da cantora.

Alice ficou feliz pelo fato de ver que a amiga estava agradando as pessoas presentes e ficou radiante com o pedido.

Quando Giulia terminou de cantar, sob uma sequência de aplausos fortes, a menina entregou o papel e em seguida voltou pra onde estava.

Giulia leu o nome da música que a menina queria e se surpreendeu. Logo abaixo, seu telefone estava anotado e ao lado o seu nome, Beatriz.

- Gente, acabo de receber um pedido. Vou atender com o maior prazer.

Beatriz a olhava de uma distância mediana, bebendo sua cerveja.

Giulia começou a cantar tentando achar Beatriz. Demorou um pouco, mas logo a viu.

Encerrou sua participação com mais uma música, também a pedido de um rapaz que parecia estar bêbado.

Sr. Pereira ficou radiante com a reação do público e com a performance dela, e pediu que ela voltasse no dia seguinte para acertar o contrato.

Alice, que estava junto, esperou só o velho dar as costas para pular no pescoço da amiga.

- Você é meu orgulho! –Disse Alice empolgada.
Giulia deu uma gargalhada: - Você é a amiga coruja, mais boba e mais linda que eu tenho!


Quando Alice se desgarrou de Giulia, Beatriz se aproximou e falou algo ao ouvido de Giulia.

Alice não gostou. Se incomodou. Queria que aquele momento fosse somente delas duas. Seu ciúme exalava pelos olhos.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Enquanto meus olhos forem seus - Parte II


Enfim domingo!

Pedi pra mamãe preparar um bom almoço para receber a Alice. Logo ela chegou com o pai. A campainha tocou e desci correndo as escadas pra atender.

Quando abri a porta, Alice pulou em mim e, se não fosse a parede ao lado, teríamos um tombo digno de um momento pra ser não se recordar.

Mamãe logo veio recebê-los, cumprimentou o seu admirador, digo, Paulo. E Alice não saía de cima de mim.

- Sua louca, não faz isso comigo! – Disse Alice

- Isso o que?

- Ficar cinco anos fora, sendo que um ano deles brigada comigo.

Sorri.

- Agora não vou mais sair daqui.

Ela apertou meu nariz: - Acho bom mesmo. - Sorriu.

Saiu de cima de mim e enfim o Sr. Paulo pôde me cumprimentar. Sempre elegante e atencioso. Até que era um bom partido pra minha mãe.

Levei Alice pro meu quarto. Abri a porta e ela entrou primeiro. Logo viu um embrulho em cima da cama.

- Vai lá e pega. É seu presente. - Eu disse.

Ela me olhou e foi em direção à cama. Sentei na poltrona ao lado e a observei abrir o embrulho.

O primeiro era uma caixa personalizada dos Beatles, ela era fascinada por eles. Dentro da caixa havia um ursinho, o perfume que ela mais gostava, chocolate e a coletânea com a última temporada da série que ela era aficionada. 

Ela ria, olhava tudo com muita atenção, acariciava os presentes...

- Giulia, você existe?

- Parece que sim.

- Não estou acreditando que trouxe isso tudo pra mim. Amei, sério. Olha essa caixa, e esse ursinho lindo? Não, e o perfume? O chocolate, meu Deus, meu preferido! Quanto aos dvd's... Nossa, ia demorar muito pra ser lançado aqui e você adiantou pra mim. Não tenho o que dizer.

Eu sorri.

- Aliás, tenho sim.

Ela mais uma vez pulou em cima mim e me agradeceu repetidas vezes.

Almoçamos todos juntos. No fim da tarde eu e ela fomos numa praça perto de casa, da qual íamos sempre. Ainda não tinha mostrado o violão pra ela. Estava na capa. Quanto o peguei pra tocar, ela arregalou os olhos.

- Que coisa mais linda!

- É, eu também achei, não me contive, comprei no mesmo dia que vi. E tem um som que... – Alice me interrompeu.

- Não! Estou falando do autógrafo!

Contei a história do autógrafo pra ela e em seguida começamos nossa farra. Eu tocando e ela cantando. Meia hora depois chegou o Jhonny Bravo e a sua trupe. Quero dizer, o Beto.

O chamava assim porque era loiro, forte, topetudo e colocava banca de garanhão, mas mulher que é bom, nada.

- Oi, meninas... Giulia, que feio, nem me avisou que chegava hoje.

- Por que eu deveria? – Alice me cutucou discretamente.

- Porque sou seu amigo e porque estou louco pra te dar uns beijos desde que você viajou.

- Ah, é?

- É. Vamos resolver isso agora? – Ele foi se aproximando de mim.

Sorri pra ele, segurei seu rosto e fui chegando perto da boca dele...

- Não! Se toca, você é um babaca.

Seus amigos tentaram se segurar, mas começaram a gargalhar. Alice ficou sem jeito.

- Tudo bem, hoje você me pisa e amanhã me procura.

- Em que mundo você vive, Jhonny? Só sabe ser algo que não é e não pode ser.

- Garota, você é maluca, não é não? Achei que a viagem fosse melhorar você, mas só piorou. Continua a mesma ridícula de sempre.

- Para, já chega. Chega, chega! Beto, vai embora. Me deixa aqui com a Giulia... Vai. Some. Dá meia volta e caça seu rumo. Anda logo. Chega de gracinha por hoje.

Beto piscou pra Alice e olhou no fundo dos meus olhos.

- Vai ter volta, menininha da mamãe.

Antes que eu falasse algo, Alice tapou minha boca na velocidade da luz.

- Se você pensar em responder qualquer coisa pra ele eu te mato.

Nos olhamos e rimos.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Enquanto meus olhos forem seus - Parte I

Tudo está igual. O sorriso das crianças brincando na rua, a tranquilidade dos pais, o clima fresco e úmido, agradável e viciante do sul. Finalmente voltei pra casa!

Dá vontade de abrir a janela desse carro e pular por ela pra abraçar cada cantinho desse lugar. Cinco anos sendo nômade pela América do Norte parecem que foram todos os meus 21 de vida.

Vinha com um inglês lindo, com saudade da mamãe, com um violão preto autografado com uma caneta branca por Chris Martin, vocalista da banda Coldplay, uma das minhas favoritas. E ah, com uma mala cheia de presentes e outra com as minhas coisas.

Pedi ao taxista para buzinar quando chegamos na porta de casa. Minha mãe apareceu com brilho nos olhos e lágrimas prontas a cair, eu saí correndo para abraça-la. Ficamos agarradas por um longo tempo.

- Meu amor, deixa eu te olhar bem – ela colocou as mãos no meu rosto, me olhou por inteira e me beijou a testa algumas vezes – Está tão linda, tão mulher!

- Mãe, menos...
Ah, meu filhote! Estava sentindo tanto a sua falta, falta desses olhos verdes, desse olhar de criança... - Ela disse eufórica.

- Mãe...

- Meu bebê está tão grande!

-Mãe! Mãe! – A abracei e falei baixinho em seu ouvido – A vizinhança toda está olhando, calma.

Nos soltamos e começamos a rir juntas.

Ela me ajudou com as malas e aquele dia foi exclusivo para eu contar tudo que aconteceu enquanto eu estava fora.

Ela tinha preparado meu prato predileto: ravióli de carne ao molho vermelho e para brindar, um bom vinho, vindo direto da nossa adega. Típico de uma família de sangue italiano.

Após toda essa euforia, levei as coisas para o meu quarto, que estava intacto desde quando viajei.

Deitei na cama, fechei os olhos, suspirei e pensei: como é bom estar de volta.

Mamãe bateu na porta.

- Entra, mãe.

- Esqueci de te dizer... A Alice veio aqui cedo e deixou isso pra você.

Levantei rápido da cama e vi um envelope nas mãos dela. Peguei e comecei a abri-lo.

- Vou para adega, se precisar de alguma coisa me chama.

Assenti com a cabeça e agradeci.

Logo vi um pequeno papel surgindo de dentro do envelope, com letras escritas pela própria mão da Alice.

Sorri abobada e comecei a ler:

“Giulia,

Em primeiro lugar, quero deixar claro o tamanho da falta que fez aqui todo esse tempo. Era pra eu estar aí agora dizendo isso pessoalmente para você, mas tive que viajar hoje cedo com o meu pai. Vamos à Gramado, negócios. Voltamos no domingo. E vou logo avisando: faça tudo que tem para fazer hoje e amanhã, porque domingo seu dia é pra mim! Sinta-se muito beijada e abraçada.

Saudade sem fim.


Alice.”



Alice era uma espécie de melhor amiga. Digo “espécie” porque sempre disse isso a ela para vê-la irritada. Me divertia. Estudamos juntas, fizemos aula de natação juntas e, de quebra, o pai dela era aficionado pelos vinhos da minha mãe. Bem, não era exatamente só pelos vinhos. 

Viajei brigada com ela. Só fomos nos reconciliar um ano depois e à distância. Foi a pior discussão que já tivemos. Discordávamos de muitas coisas, mas nos dávamos mais bem que mal. Senti saudade dessa guria! 

Naquela tarde ajeitei minhas coisas, separei os presentes e logo fui dormir. 

No dia seguinte visitei alguns parentes e aproveitei para ligar para minha tia, com quem vivia no Canadá. Ela morava sozinha. Meu tio morreu quando eu tinha dez anos, o vi duas vezes aqui, no Brasil. Eram muito apaixonados. Desde então minha tia nunca mais amou ninguém. Tinha seus lances passageiros, mas era só isso. Nos dávamos extremamente bem. Ela já chorava ao telefone de saudade. 

A cada coisa nova que via na cidade, queria que minha mãe me contasse detalhadamente. E quando o assunto parecia se esgotar, Alice vinha na minha cabeça. Precisava vê-la.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

O meu céu de paz

Você é o meu maremoto e meu céu de paz.
O meu ponto de equilíbrio e o meu penhasco.
Devo me jogar? E lá em baixo, nas águas mergulhar.
Nadar ou afundar? 
Você é o sonho bom que parece que logo vai acabar.
O início que eu procurava no fim de onde eu estava.
Você é a ventania doce como a água de um lago.
A maresia forte de uma ressaca.
E tudo mais que qualquer pessoa possa querer de bom na vida.