quinta-feira, 15 de maio de 2014

Viver

Numa manhã gelada de um inverno a vida resolveu se apresentar amarga para Fábio. A casa vazia, um monte de caixas de papelão jogadas pela sala, com objetos dos mais variados. Sobre a mesa, um bilhete: “a vida não espera a felicidade chegar, então estou indo atrás dela e sugiro que você faça o mesmo”.
Parecia que o nó da sua gravada ultrapassou o seu pescoço e alcançou a garganta. Jogou seu paletó na mesa que, aos poucos, foi escorregando até encontrar o chão e Fábio ficou ali parado observando lentamente a queda. De certo modo, algo dentro dele dizia que faltava pouco para que ele próprio também caísse. Pôs a mão no bolso e pegou a chave de casa. Bateu a porta e saiu pela portaria do prédio com um olhar perdido, mas ele sabia onde estava indo.
Em exatos sete minutos sentou-se no banco de uma cafeteria que ficava na esquina do quarteirão paralelo ao do seu apartamento. Ele via pessoas apressadas na rua, outras saindo com suas bebidas e algumas dentro do mesmo local que ele estava, tomando café da manhã tranquilamente. Uma delas lia o jornal do dia e seus olhos leram: “Qualidade de vida na Austrália atrai brasileiros”.
- Ô, doutor Fábio. Vai querer aquele expresso de sempre? – Indagou Nelson, interrompendo os pensamentos de Fabio.
- Vou sim, Nelson.
Nelson foi até a máquina de café com uma bonita xícara vermelha de porcelana e retornou.
- Expresso. Doutor vai querer mais alguma coisa? Estamos com um folheado de peito de peru com queijo português que está entre os mais pedidos. – Falou empolgado.
- Não, hoje não. – Fábio ainda olhava o jornal, desta vez não mais lendo as notícias. Seu pensamento estava longe, onde nem mesmo ele sabia.
Nelson estranhou o comportamento do seu cliente e tentou entender o que estava acontecendo.
- Ô doutor, desculpa me meter, mas o senhor parece estar com algum problema.
- Problema eu tenho aos montes, assim como você, meu caro Nelson. Estou errado?
- Não, não está doutor. Mas é que nunca vi o senhor assim com essa cara e essa roupa desgrenhada, até a sua gravata está torta, ela sempre está impecável.
Fábio olhou para sua gravata, levou os olhos para a xícara de café, tomou um gole e olhou Nelson.
- Pois é. Acho que aqui não é mais o meu lugar.
- Oxi, doutor. O senhor gosta tanto daqui.
- É, gosto, mas acho que me daria bem com os cangurus.
Nelson fica calado tentando entender, em sua cabeça, o que os cangurus tinham a ver com a história.
- Doutor Fábio, o senhor perdeu o emprego?
- Não, Nelson...
- Alguém morreu? – Insistiu Nelson.
- Também não. – Respondeu Fábio enquanto tomava seu café.
- Então... a sua esposa... – Nelson pensou alto.
Fábio deu seu último gole no café e olhou Nelson por alguns segundos.
- Nelson, você que é um cara batalhador, veio do interior de uma cidade pequena de outro estado e construiu o seu próprio negócio com esforço e suor. Você que é um cara vivido e experiente. Me diz, o que é a vida?
Nelson franziu a testa estranhando a pergunta, mas rebateu.
- A vida é isso aí que o senhor mesmo disse que fiz, doutor. Batalha, luta, suor e conquista.
- Mas e as quedas? – Questionou Fábio.
- Doutor, até hoje eu caio e me levanto. Vou acumulando roxos, arranhões e hematomas pra na hora que eu vencer lembrar que nada foi à toa.
- Nelson, você é um cara sábio. – Fábio disse batendo no ombro de Nelson enquanto se levantava.
- Mas, doutor, por que é que me perguntou isso?
- Não sei, Nelson. – Ele colocou a mão no bolso, abriu a carteira e colocou uma nota de 10 reais na bancada que os separava. – Talvez eu esteja um pouco perdido.
Nelson recolheu o dinheiro e esticou o braço mostrando a nota para Fábio.
- Hoje é por conta da casa.
- Fábio guardou os 10.
- O senhor sabe o que quer da vida, doutor? – Questionou olhando nos olhos de Fábio.
- Pra saber o que quero da vida, meu amigo, preciso viver.
- E o senhor não está vivo e vivendo?
- Vivo eu estou, Nelson. Mas a minha vida não vai mais ser a mesma.
- Doutor, quer saber de uma coisa? – Indagou Nelson apoiando seus antebraços na bancada. – Vai fazer o que o senhor quer, o que o senhor sonha. Não espere respostas de nada nem de ninguém, muito menos questione as coisas. Vai, simplesmente vai. E vai.
Fábio esboçou um sorriso, apertou a mão de Nelson e se encaminhou para a saída da cafeteria.
- Você é um cara sábio, Nelson. – Disse em tom afetuoso.
- Eu sou um cara que vou, doutor. Eu sempre vou.
- Eu também estou indo, Nelson. Eu vou. – Fábio respondeu enquanto saía do estabelecimento em direção à sua casa.

terça-feira, 13 de maio de 2014

O Pergaminho

Que belas pétalas secas deixaste
Como rastro no caminho
Que laranja a vida se faz
Quando recolho este pergaminho
Nestas minhas mãos
Ásperas e vazias

Que belas palavras escreveste
Antes de partir
Que generosa mágoa
Deixaste evoluir
Num poeta tão fingidor
Que nem dor
Sabe mentir

Quantas ovelhas poliu?
Quantas cabras raspou?
Quantas farsas fizeste?
Ora, rainha das maldades
Em corações frágeis
Não me pegou

Tuas facetas também estão
Neste caminho dúbio
Que faz homens, dos mais inteligentes
Os mais xucros
Pois, vos digo em alto e bom som:
Envenenárei-la. Envenenarei-me.