terça-feira, 26 de abril de 2011

O espelho

Ele fazia de tudo para evitar aquele encontro, mas toda vez que passava em sua direção, um ímã o atraía e o lavava para perto de quem ele mais temia. Então, preso a esta situação, dava meia volta e parava à sua frente. Era inevitável passar um segundo sem ao menos olhá-lo.

Ele era grande, revestido de prata com pequenas pedras de esmeralda misturadas a brilhantes. Simplesmente encantador aos olhos de qualquer sujeito. Charmoso, elegante e despojado, era mais do que lógico que se apaixonar por ele seria uma questão de pouquíssimo tempo. Como vítima deste paradigma, Gil ficou obcecado com tanto charme.
Bastou um simples olhar discreto e fixo de aproximadamente cinco segundos, para já se sentir atraído e caminhar em sua direção. Há quem não acredite que um espelho obtivesse este dom. Há quem diga que Gil era louco, até mesmo egocêntrico por se apaixonar por um espelho, onde a única coisa que podia fazer era mostrar sua própria face, seu próprio corpo.

Qualquer palavra era inabalável a esta relação. Dia após dia, o rapaz arrogante, rude, irônico, sarcástico e misterioso, transformava-se em um novo indivíduo. Mas ele não aceitava que um mísero espelho somente por ser dotado de tanta beleza, pudesse transformá-lo. Apesar de tanto amor, passou a tentar evitar o encontro. Era um magnetismo impressionante, uma atração indescritível. Gil não aguentou e novamente promoveu um encontro entre ambos. Desta vez era diferente, o rapaz foi disposto a dar um ponto final na relação.

Duas quadras antes de sua casa, havia uma loja de antiquarias, objetos de décadas e séculos passados, relíquias que estavam à venda. Foi ali onde tudo se firmou. Era ali onde vivia o espelho encantador. Gil decidiu ir à loja vê-lo novamente. Acabou por comprá-lo e o levou para casa. Em seu quarto espaçoso, arejado e aconchegante foi o lugar cativo do seu inseparável amor. Colocou o espelho ao lado de sua cama, próximo a uma estante repleta de livros, onde havia uma mesa com uma cadeira para os seus estudos. Foi ali então que Gil passou a maior parte do seu tempo decidindo se ficava, ou se livrava daquele gostoso tormento. Pensou durante horas, durante dias e quanto mais pensava, mais enlouquecia.

Numa manhã ensolarada, Gil suava em seu quarto de tanto calor, precisava sair de casa, mas não conseguia. O encanto do seu espelho o prendia.
Sentou-se na frente dele e o indagou:
- Por que faz isso comigo? Olha minha camisa repleta de suor, me prende aqui a troco do quê? - Disse intrigado.
Desesperado, levou as mãos à cabeça.
- Não consigo me livrar de você, podia ser menos encantador e me abandonar de algum jeito, creio que não morreria sem sua companhia... responda-me desgraçado!

Em um ato de impulso, Gil levantou-se da cadeira e a jogou na parede. Com revolta e aos gritos derrubou uma dezena de livros da sua estante, tirou sua camisa, rasgou e a jogando no espelho.
Andava rapidamente de um lado para o outro no quarto.
Cansou-se e se deitou em sua cama. Pôs-se a derramar um mar lágrimas.
- Por que eu não consigo ser quem eu aparento? Jovem, interessante, inteligente, elegante... estou um caco por dentro. Amargurado, acabado. Quanta mágoa. Isso tudo me destrói. - Pensou repleto de tristeza.

Gil ficou por horas chorando deitado na cama sem nem trocar de posição.
Não olhava mais para o espelho. Não abria mais os olhos. Adormeceu.
Despertou ainda inquieto e nervoso com a situação. Em passos curtos percorreu os cantos do quarto durante minutos.


Pegou uma folha e uma caneta e brevemente escreveu:

“Este espelho é como eu: aparenta ser o que na verdade não é. Por fora parece ter conteúdo, mas por dentro é vazio. Estou me livrando dele como primeiro passo pra me livrar do que tenho por dentro. Posso afirmar que exteriormente estou no auge dos meus 28 anos, mas interiormente sou um velho acabado, inexperiente e subordinado a minha própria aparência.
Portanto, vou jogá-lo fora e me livrar de qualquer esteriótipo que eu mesmo ou a sociedade me impôs“.

Gil esmurrou o vidro do espelho três vezes consecutivas. O vidro não mais era perfeito. Não mais permitia que ele visse seu próprio reflexo.
Com as mãos sangrando ele levou o espelho para uma rua deserta e o colocou deitado no chão com o papel em cima.
A cicatriz daqueles murros permaneceu nas mãos do jovem rapaz por muitos anos. Aquilo era sua motivação diária para se lembrar que podia ser muito mais do que ele aparentava e imaginava ser.

Um comentário:

  1. Ow gostei mesmo das postagens... Bem criativas... parabéns.. Estou te seguindo, quando você tiver um tempinho, você podia seguir o meu também?'
    http://jpbigblog.blogspot.com.br/

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